"Fábrica de afetos" é uma obra em exposição de Antonio Yemail que ficou à mostra na Galeria Policroma, em Medellín, até meados de fevereiro. Ela foi criada a partir de um longo processo envolvendo diferentes estudos de caso sobre a relação entre gatos e pessoas. Há mais de uma década Antonio pesquisa uma arquitetura específica para seres esquivos a partir de vários campos, incluindo pesquisa, academia, prática arquitetônica e artística.
Recentemente, sua pesquisa passou para o campo acadêmico através da oficina "Arquiteturas entre diversas formas de vida", aprofundando com um grupo de estudantes a capacidade disciplinar de destrinchar o conceito de habitat em uma abordagem multi-espécie. Este projeto se baseia em sensibilidades vindas da ecologia ou da brincadeira e se propõe a imaginar a voz daqueles seres que não podem ser questionados, procurando associar a arte à vida.
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Paula Builes, diretora da Policroma, escreve sobre "Fábrica de afetos": Aqui havia um gato enclausurado há mais de 10 anos. Hoje, é o espectador desta exposição que vai revelar o que está por trás desta instalação e a mente "indisciplinada" de Antonio Yemail, que parece dar saltos sutis, à maneira de uma coreografia felina, através de diferentes campos do conhecimento: arquitetura, design, museografia e as artes visuais e performáticas.
À primeira vista parece ser uma arquitetura para gatos, mas ao observarmos cada uma das peças que a compõem, vemos como a noção de artefato é transcendida pela relação entre o humano e o gato. Não se trata de apreciar uma estrutura que abraça uma relação interespécies, mas uma porta que se abre para múltiplos diálogos que surgem em nossa contemporaneidade, como a configuração atual de núcleos familiares diversos, as oportunidades que se manifestam com a emergência de valores pós-materialistas, como o reconhecimento das minorias e o imperativo de valorizar as diferenças, a preocupação com o meio ambiente e a tentativa de compreender a (as)simetria de nossa realidade local e atual.
É difícil resumir em poucas linhas a quantidade de documentos, maquetes, textos e elementos que compõem este projeto, que só podem ser apreendidos passando pela exposição, e então torna-se possível vislumbrar algo desta linha cronológica que começou como uma investigação do comportamento e como mapear o dia a dia de um espaço na domesticidade, a uma instalação a partir de 2010: Post Post Post, uma exposição que foi apresentada no Museu de Arte Moderna em Medellín e em seguida em Buenos Aires, no Centro Cultural de Espanha, que refletia sobre as inclinações dos arquitetos latino-americanos contemporâneos através de instalações que cabem em uma caixa de correio. Foi um projeto que descobriu inocente e acidentalmente o que poderia ser uma relação contemporânea para definir novos modelos familiares, com intensas relações de co-dependência entre as espécies.
A partir desta fase exploratória, nasceram como consequência os primeiros planos para outro projeto, inicialmente a ser exibido no espaço Liga (Cidade do México, 2015) e depois no Vitrinazo, (Bogotá, 2016). Aqui, aconteceu sua primeira materialização, mas o projeto não chegou ao ponto de ser construído.
Como parêntese paralelo, em 2021, na Universidade de Los Andes, Antonio Yemail começou a ministrar o curso A arquitetura entre diversas formas de vida, que se tornaria o prelúdio desta exposição e que reflete sobre o papel da arquitetura como mediadora capaz de reunir diversos agentes e reconhecer que, em seu conhecimento, há um contato mais profundo com a realidade quanto mais vinculante ela é e, embora pareça antagônico, quanto menos antropocêntrica é a relação que ela estabelece.
Continuando com a ordem cronológica, é anos depois, em conversas com o colecionador Eduardo Salazar Yusti sobre esta ideia em processo e o curso acima mencionado, que o projeto adquire seu momento decisivo, e neste encontro com a Policroma, os pensamentos de uma década se materializam em uma obra de caráter instalativo, escultural e um tanto teatral, que representa todas as inclinações de Antonio e sua equipe, incluindo suas formas de abordar a contemporaneidade e a cultura popular, misturadas com a consciência dos materiais, desde sua origem até seu destino.
Daí seu interesse na circularidade e em repensar seus projetos a fim de dar-lhes uma segunda vida. A maioria das peças que fazem parte desta instalação são feitas com materiais de projetos anteriores, que adquirem uma nova oportunidade graças à combinação de diferentes escalas e intenções dentro deste trabalho. Com jogos de luzes, quatro estações parecem identificar um ritual ou um momento de encontro que é construído com uma narrativa desta família contemporânea composta por um humano e um gato.
A exposição termina (ou começa) com um arquivo que organiza, à maneira de um pesquisador (ou obsessiva), uma documentação que constitui o registro e a linha cronológica de uma década através de conversas, esboços, papéis, notas, trocas, aquarelas e plantas.
Esta instalação abriga uma tensão entre escalas que não é propriamente a de um móvel nem a de um edifício, mas a de uma série de artefatos de escala intermediária. É um reconhecimento da diversidade, entendida como um quadro de relações ecológicas, técnicas e culturais estendidas, como uma forma de reconciliação social e de compreensão da tradição. É um espaço para uma crítica de duplo sentido, e será o espectador quem a interpretará. Esta é a fábrica de afetos de Antonio Yemail, onde são fabricados acordos, memórias e interações entre espécies sencientes.
Martin Huberman, arquiteto e diretor do Estudio Normal, acrescenta com um texto curatorial: A domesticidade é, em minha opinião, a mais desenvolvida das construções culturais humanas, tanto em termos de suas capacidades técnicas quanto de suas definições plásticas. Em um mundo desigual, ela está ligada tanto à necessidade quanto à extravagância, e aí reside sua eficácia como estratégia de contato, como um tema que aglutina e resume, como uma experiência enciclopédica para transcrever a nós mesmos e aos outros. Pensar, projetar, discutir o doméstico, significa definir-nos mais por nossa relação do que por nosso eu individual. Afinal, somos seres sociais e, por mais que alguns anseiem por isso, não podemos viver sozinhos, e esta é sem dúvida uma das questões fundamentais a serem abordadas por nossa contemporaneidade: Como vivemos? Com quem vivemos?
O campo do doméstico há muito tempo tem abordado um tema que agora é uma agenda: a coexistência, voluntária ou involuntária, entre membros da mesma espécie, assim como com aqueles que pertencem a outros reinos, como o vegetal e o animal. Onde vivemos, onde convivemos, e levar isso em conta faz parte dos fundamentos da prática do futuro. Como deve ser uma casa, que respeite todas as espécies que passam por ela, a utilizam ou habitam? Podemos defini-la em termos de equidade, dedicando o mesmo compromisso formal a todos os seus habitantes?
Esta instalação pondera um ensaio pragmático para uma prática de coexistência, através de instalação, da performance, do uso potencial e de uma certa vontade de socializar experiências em programas públicos que nada mais fazem do que construir pontes e relações, como aquelas que acreditamos que nossos colegas felinos farão. Agora será o tempo dos gatos, para habitar, descobrir, transgredir, mas acima de tudo, demonstrar com uma certa altivez, como podemos e devemos viver aquilo que projetamos em termos domésticos.
Projeto: Antonio Yemail, Martín Jiménez, Sara Escobar Aristizábal (maquetes)
Texto curatorial: Martín Huberman
Curadoria e texto curatorial de apoio: Paula Builes, diretora Policroma
Projeto Gráfico: Juan Pablo Fajardo, Piedra Tijera Papel
Carpintaria: Hernán e Camilo Loaiza, Ejecutar SAS
Montagem: Yamith Quiroz y Javier Sierra, Casa Falsa; Natalia Soto
Fotografia: Yohan López
Patrocínio: Ministério da Cultura da Colômbia, Galeria Policroma, Coleção Eduardo Salazar Yusti e Juliana Hernández Arenas
Apoio: Pintufresh, The Art Hotel, LIT Hard Seltzer, Hotel Park 10, The Blue House
Agradecimentos: Margarita González, e aos gatos que inspiraram este projeto: Suaita, Emma e Albert